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9 reflexões sobre destruição e cinema

por Caio Naressi
Foto de Leopoldo Cavalcante para ilustrar 9 reflexões sobre cinema e destruição, de Caio Naressi.

Caio Naressi é cineasta independente e também Mestre em cinema documentário pela Universidade Lumière Lyon 2. Atualmente pesquisa a relação da memória autobiográfica e o cinema de animação.


  1. Somos obcecados pela destruição? Todo dia há pelo menos dezenas de vídeos de esmagamento, compressão, queima, tritura etc. Praticamente tudo em ASMR [1]. Podemos ver todo tipo de produtos coloridos sendo destruídos. Observamos a destruição de diversas formas e repetidas vezes. Uma prensa hidráulica (@hydraluicpresschannel) que esmaga lentamente copos, brinquedos, comidas e diversas outras coisas; uma trituradora que moe tudo (@crushinglitycal) e desfigura toda a essência da coisa em si. E as guerras 24h por dia nos telejornais. Todos possuem milhões de espectadores. 
  2. O que nos acomete perante a catástrofe? A cena de Drive my car (Ryûsuke Hamaguchi, 2021) em que Misaki Watari (Tôko Miura), a motorista, leva Yûsuke Kafuku (Hidetoshi Nishijima), o diretor de teatro, para ver a casa da sua família destruída por um evento natural e confessa seu segredo: observar a casa ser destruída sem conseguir fazer nada além de observar. A destruição nos paralisa pelo seu fascínio? Ou nos paralisa pela incapacidade que temos de controlá-la? 
  3. Naturalmente belo. Na cena, entretanto, a casa destruída de Misaki está coberta de neve. A personagem mal consegue localizar-se em meio às modificações da própria cidade. Neve: sutileza que sedimenta grande beleza e silêncio. Nunca esquecer do silêncio das nevascas e, em seguida, do barulho que as botas fazem ao andar sob a neve. Destruição pessoal da beleza do sutil. Destruição tem sempre barulho. Em ASMR ou em excesso de explosões.
  4. O divino e o humano. Ainda em Drive my car. O festival de teatro onde Yûsuke vai apresentar sua versão da peça Tio Vânia, de Anton Tchekhov, se passa em Hiroshima, cidade conhecida pela destruição massiva a partir de uma decisão humana. Desta vez, a cidade se mostra a nós, espectadores, como um lugar de representação: o espaço da arte cênica. A convivência dos personagens que se dialogam em diferentes idiomas, entretanto, nos remete à clássica experiência das escrituras sagradas da Torre de Babel. Aqui, porém, está relacionada à aproximação do diálogo possível entre diferentes culturas a partir da escuta do outro, afastando o ser humano da força divina de duas maneiras: pela destruição de uma cidade e pela construção artística.
  5. Ponto de vista múltiplo. Também, claro: Michelangelo Antonioni’s Masterpiece ”Zabriskie Point” 1970 Full Ending.
  6. O roteiro de A pior pessoa do mundo (Joachim Trier, 2021). O momento em que nós podemos perceber que o antagonismo que praticamos em nossa vida não é assim tão destrutivo. Julie (Renate Reinsve) não faz as escolhas consideradas sensatas (trabalho estável, relacionamento estável, vida estável) para viver sua vida. Isso poderia torná-la destruidora de sua própria vida estável. No fim, ela só nos ensina que nossas escolhas só têm a ver com o que queremos. Afinal, como alguém pode estar tão feliz em um cartaz se, logo acima da sua cabeça, paira a afirmação “a pior pessoa do mundo”? Seguir aquilo que é dito estável pode também ser uma forma de destruição.
  7. O destino trágico de MacBeth. Ou a crença absoluta em uma tragédia que governa a humanidade. No caso de A tragédia de MacBeth (Joel Coen, 2021), a destruição é feita com uma bela fotografia e um destino trágico conhecido de todos. Porém, há a dúvida da potência que existe no processo de destruição. Estamos inclinados a ficar fascinados pelo que é destrutivo apenas pelo clichê – inevitável – de que a reconstrução é algo benéfico? Ou simplesmente acreditamos nesse clichê por encontrar uma forma de conviver com a destruição imanente do que somos? Nossa capacidade de amar reside no fato de saber que as coisas acabam? 
  8. A destruição é nossa obsessão. Os carros que explodem; os seres humanos que se aniquilam; os snuff movies; os super-heróis que evitam a catástrofe causando a catástrofe. O andar lento dos carros diante de um acidente. A destruição nos sensibiliza. Para toda a destruição de Roland Emmerich, há um humanista que pode nos consolar. Independence Day (Roland Emmerich, 1996), O dia depois de amanhã (Roland Emmerich,2004), 2012 (Roland Emmerich, 2009). Como lidar com essa aniquilação? Stalker (Andrei Tarkovsky, 1979), L’humanité (Bruno Dumont, 1999), Melancolia (Lars von Trier, 2011).
  9. Plano Marshall literário. Talvez a destruição tenha afetado, também, a minha forma de escrever.

[1]: Em inglês, segundo a Wikipedia, ASMR significa Autonomous Sensory Meridian Response, em tradução livre, “resposta sensorial meridiana autónoma”.


Foto de Leopoldo Cavalcante.

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